domingo, 31 de outubro de 2010

"Olha o passarinho!"


O fotógrafo

Difícil fotografar o silêncio.
Entretanto tentei. Eu conto:
Madrugada a minha aldeia estava morta.
Não se ouvia um barulho, ninguém passava entre as casas.
Eu estava saindo de uma festa
Eram quase quatro da manhã
Ia o silêncio pela rua carregando um bêbado.
Preparei a minha máquina
O Silêncio era um carregador?
Estava carregando o bêbado.
Fotografei esse carregador.
Tive outras visões naquela madrugada
Preparei a minha máquina de novo.
Tinha um perfume de jasmim no beiral de um sobrado.
Fotografei o perfume.
Vi uma lesma pregada mais na existência do que na pedra.
Fotografei a existência dela.
Vi ainda um azul-perdão no olho de um mendigo.
Fotografei o perdão.
Olhei uma passagem velha a desabar sobre uma casa.
Fotografei o sobre.
Foi difícil fotografar o sobre.
Por fim enxerguei a Nuvem de calça.
Representou para mim que ela andava na aldeia de braços com
Maiakovisk - seu criador.
Fotografei a Nuvem de calça e o poeta.
Nenhum outro poeta no mundo faria roupa
mais justa para cobrir sua noiva.
A foto saiu legal.

                                           Manoel de Barros.

Sim, concordo. Obra fantástica.
A arte é, sem dúvidas, a manifestação mais íntima de nós, seres humanos. Não sou a melhor tão pouco uma boa pessoa para discutir seguramente sobre Arte, abrangendo todas as suas inúmeras formas. Entretanto, particularmente, aprecio e pratico muito a arte de fotografar. A fotografia, é sabido, começou ainda muito frágil, primitiva, com equipamentos um tanto complexos e funcionamento demorado. Hoje, com apenas o simples toque do seu dedo, ela surge e retrata o que quisermos. Talvez essa seja a grande fantasia: retratar o que quisermos. Conheço pessoas que vivem com uma máquina de prontidão como se fosse um utensílio vital, fotografando qualquer momento, atenciosas para não deixar passar nenhum minuto. Com a facilidade crescente de fotografar, hoje, não se preza tanto a lembrança, a capacidade de arquivar momentos na memória e ali ficar. A fotografia é uma segurança de que aquele momento não passou despercebido, e foi importante pelo valor atribuído. Mas será mesmo que foi importante? Por que as pessoas sentem o que eu considero como uma necessidade de estar sempre registrando por meio de uma máquina os prazeres momentâneos?

Confesso: apesar de apreciar muito a fotografia, não acredito nela. Na arte, todas as coisas são parecidas com o que acontece, mas não são o que acontece. Com a fotografia não é diferente. Quando você olha suas fotos de quando criança, por exemplo, alguns sentimentos devem crescer no seu coração e na sua mente, sejam eles bons ou ruins. O fato é que, por mais que você recorde pela aquela foto um determinado momento, pode estar certo que o que você vê é algo parecido com o que realmente aconteceu. A fotografia tem esse poder: transportar você do real para o fantástico. Dessa forma, sua mente ganha asas e você viaja para o lugar que preferir. Toda vez que entro em qualquer livraria sempre procuro pelo livros dos fotógrafos profissionais. Não espere que eu vá citar o nome deles pois eu não gravo nenhum. Não preciso comprá-los para me deliciar e viajar, pois ali mesmo, eu sento em qualquer lugar e a cada página surge uma surpresa diferente. Gosto, particularmente, das fotos cotidianas, fotos em movimento, naturais por justamente registrarem a espontaneidade das coisas e das pessoas. Ainda que eu acredite que elas são apenas uma verossimilhaça do real, não resisto, defitivamente. Muito menos quando eu sou o que monto o retrato. Não consigo achar as palavras certas agora, mas quando pego numa máquina e começo a fotografar, é um prazer enorme que sinto, uma sensação indescritível.

Porém, apesar de ser simplesmente genial, a fotografia não poderia ser perfeita. Quando perguntei por que as pessoas sentem cada vez mais necessidade de gravar momentos num papel, a minha resposta pode não ser amigável, caro leitor. Se você se preocupa em regitrá-los, é porque facilmente os esqueceria. Logo, não foram tão importantes quanto você pensa. É assim que eu vejo nossa realidade. A capacidade que temos de armazenar as coisas verdadeiramente significativas na vida é gigantesca. Há quem se entristece por não ter conseguido tirar tal foto com tal pessoa ou em tal lugar, quando não há razão para tanto. A memória é a melhor máquina fotográfica que existe, e se o fato, a pessoa ou a situação foi, certamente, relevante, Não preocupe, amigo. Guarde a camêra, a foto já está na sua mente.

Por fim, gostaria que relesse "O fotógrafo" (...) Obrigado. É apenas um comentário conclusivo, não tomarei mais seu tempo. A obra de Manoel de Barros é mesmo fantástica, pois transcende para nós o que a nossa alma não consegue fotografar: o silêncio, o perdão, o sobre... "O fotógrafo" é tão sensível e subjetivo que aposta com segurança num novo jeito de olhar, enxergar e entender o que está além dos nossos olhos, o que está no interior do que se ofusca. Logo, da próxima vez que for tirar uma foto, pense nisso! Garanto que ela sairá com mais nitidez e verdade. Ah, não esqueça: Diga XIIIIIIIIIIIIIS! É. "A foto saiu legal".

V.B.

2 comentários:

  1. Doido demais, belo blog, pelo visto é novo.
    Abração

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  2. Da vontade de ser fotografo! rsrs. muito bom o post, mais você escreve demais, tem que escrever menos, resume isso ai, pra o povo ler entendeu?
    ass: http://tonoid.blogspot.com/

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